O livro do Gênesis
diz que “Deus criou o ser humano à sua imagem”. Antes disso, o pecado já
existia, não por natureza, mas pela má vontade dos anjos decaídos, os demônios.
Foram eles quem, por inveja, se aproximaram do primeiro homem para tentá-lo.
Até então, Deus o havia colocado em
um jardim de benesses , com múltiplas possibilidades de árvores e animais para
comer e inúmeras coisas para fazer, tendo proibido apenas uma coisa:
“Podes comer de
todas as árvores do jardim. Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não
deves comer, porque, no dia em que dele comeres, com certeza morrerás”.
Por medo da morte e pelo aviso
divino, Adão e Eva não tinham comido da árvore, até que o demônio lhes tentou,
invertendo o apelo de Deus e transformando em atrativo aquilo que era proibido:
“De modo algum morrereis. Pelo
contrário, Deus sabe que, no dia em que comerdes da árvore, vossos olhos se
abrirão, e sereis como Deus, conhecedores do bem e do mal”.
Seduzidos pelo
maligno, os primeiros pais pecaram e a desordem entrou na humanidade.
Para este curso de Terapia das
Doenças Espirituais, o relato do livro do Gênesis sublinha um fato de notável
importância: quando a serpente apresentou o fruto da árvore à mulher, ela “viu
que seria bom comer da árvore, pois era atraente para os olhos e desejável para
obter conhecimento”.
Estas três
realidades – “comer”, “atraente para os olhos” e “desejável para obter
conhecimento” – perpassam toda a história da humanidade: representam a
tendência do homem para o prazer, para possuir as coisas e para o poder, essa
última entendida como uma espécie de astúcia operativa.
São João entendeu bem isso, quando
escreveu que “tudo o que há no mundo – a concupiscência da carne, a
concupiscência dos olhos e a ostentação da riqueza [a soberba da vida] – não
vem do Pai, mas do mundo”.
E o próprio Senhor,
no deserto, foi tentado pelo demônio com essas três matérias.
Primeiro, Satanás propôs a Ele que
transformasse pedras em pão, a fim de comer.
Depois, “mostrou-lhe, num relance,
todos os reinos da terra” e prometeu dar-Lhe tudo aquilo, se Se prostrasse
diante dele.
Por fim, tentou Jesus a fazer uma
demonstração de poder: “Se és Filho de Deus, lança-te daqui abaixo”.
Nosso Senhor venceu
as três tentações, mostrando ao homem que é possível, com a Sua graça, vencer a
carne, decaída pelo pecado original.
Mas, que são essas três coisas que
com razão se podem chamar de “raízes” do pecado? Tratam-se de três libidos (libidines, em latim).
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A primeira, a libido amandi, é o apetite desordenado que “tem por objeto tudo o
que pode fisicamente sustentar o corpo seja para a conservação do indivíduo,
alimento, bebida etc., seja para a conservação da espécie, as coisas venéreas”.
O objeto dessa
concupiscência é tanto a gula quanto o sexo desordenado, que é o vício da
luxúria.
É curioso que, na mesma época em que
se vê o fenômeno da anorexia, de meninas que morrem de fome porque não querem
comer, percebe-se uma humanidade que busca o prazer venéreo, mas não quer
assumir a responsabilidade dos filhos.
As pessoas querem
comer, mas não querem engordar; querem fazer sexo, mas não querem estar abertas
à vida.
A segunda, a libido possidendi, “é concupiscência animal, e tem por objeto as
coisas que não se apresentam para a sustentação e o prazer da carne, mas que
agradam à imaginação ou a uma percepção semelhante, por exemplo, o
dinheiro, o ornato das vestes, e outras coisas deste gênero”.
É esta espécie de
concupiscência que se chama de concupiscência dos olhos.
A terceira é a libido dominandi. É
a soberba fundamental de querer ser igual a Deus, como fez Satanás.
Enraizada no irascível, essa libido
deseja o bem enquanto algo árduo: “Quanto ao apetite desordenado do bem
difícil, pertence à soberba da vida, sendo que a soberba é o apetite
desordenado da excelência.”
É para combater
essas três causas do pecado que se praticam as três obras quaresmais: o jejum,
a esmola e a oração; e também os três votos evangélicos: a castidade, a pobreza
e a obediência.
Também aqui se
identificam os nossos relacionamentos com o outro, com as coisas e conosco
mesmos.
Se abusamos de outra
pessoa, usando-a como objeto para obter prazer, estamos cedendo à
concupiscência da carne; se idolatramos as coisas, pensando estar nelas a nossa
felicidade, cedemos à concupiscência dos olhos; e se fazemos de nós mesmos
deus, estamos na soberba da vida.
Deus criou o homem para que ele
participasse de Sua divindade, mas ele deveria sê-lo pela graça, não por suas
próprias forças.
Quando Eva “se apega ciosamente ao
ser igual a Deus”, ela rouba, com “ἁρπαγμὸς” (lê-se: harpagmós): as suas mãos se fecham para pegar para si.
As mãos de Cristo
são o contrário das mãos de Eva: elas se abrem para dar. Enquanto Eva quis,
Cristo tudo entregou.
Enquanto as mãos de Eva se voltam ao
lenho para pegar, as de Cristo se deixam pregar ao lenho da Cruz para dar. Da primeira árvore nos vêm a
desgraça e a morte; da segunda, a graça e a vida, a nossa salvação.
Fonte:
padrepauloricardo.org
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